terça-feira, 15 de novembro de 2011

História da química farmacêutica

Desde os primórdios da civilização que povos autóctones usavam o conhecimento popular primitivo
e não‐científico, encontrando alívio para suas feridas com o uso de óleos e unguentos de plantas medicinais
e de óleos naturais divulgados por “raizeiros” ou xamãs, o que é chamado hoje de fitoterapia (tratamento através das plantas). Até os dias de hoje, com os fármacos contemporâneos desenvolvidos com o uso das tecnologias mais avançadas, a busca por tratamento e pela cura das doenças que afligem a humanidade moderna continua instigando a comunidade leiga e incentivando a comunidade científica. Na verdade, o uso de produtos de fonte natural como medicamento foi muito comum na Antiguidade, período geralmente chamado de pré‐científico, quando já se verificava a importância da utilização de substâncias botânicas na forma de óleos, tais como os óleos de oliva, gergelim, rícino, entre outros. 


Egito antigo


No antigo Egito, a medicina sempre esteve vinculada a astrologia, e havia uma forte relação entre as plantas medicinais, planetas e signos correspondentes. Os egípcios utilizavam as plantas condimentares de muitas formas, deixando-as até mesmo nas tumbas dos faraós e personalidades importantes, para que estes fizessem viagem segura aos outros planos da existência, segundo suas crenças. São comuns citações
dos papiros relatando a adoração que o povo tinha pelas plantas.

Papiro de Ebers

Papiro de Ebers, um dos mais antigos tratados médicos conhecidos, com cerca de 3500 anos. Continha uma coletânea  de aproximadamente 125, dentre elas : anis, alcaravia, cardamomo,mostarda, açafrão e sementes de papoula. Uma muito conhecida atualmente é o uso do extrato casca do salgueiro para combater inflamações, extrato que mais tarde originaria a aspirina.Prescreve o uso terapêutico de óleos como os de alho, girassol, açafrão, terebentina e outros e o uso de mel ou de cera de abelhas como veículo ou ligamento para os óleos usados visando‐se a melhoria da absorção do 
medicamento(talvez a origem do termo lipofilicidade).



China



. Da esquerda para a direita: Huang Ti, FuHsi, Shen‐Nong, Changchung‐Ching e Sun Ssu‐m
o5



Na Antiguidade existiam outros tipos de possíveis tratamentos medicinais, por exemplo, há relatos
sobre o tratamento de doenças na China Antiga, desde épocas que remontam o século 28 a.C. onde se enfocavam três tipos de tratamento: o cósmico, o anímico e o medicamentoso, conforme Huang Ti
(conhecido como o “Imperador Amarelo”, pelo seu túmulo com o exército de terra‐cota e tendo reinado
de 2697 até 2598 a.C., é considerado o inventor dos princípios da Medicina Chinesa), FuHsi (originador do I Ching) e Shen‐Nong (conhecido como o Imperador Yan e estudioso da aplicação medicinal de centenas de ervas) . Todavia, o progresso da terapêutica chinesa é espantoso, pois no século II da
Era Cristã Chang Chung‐ching , ou Zhang Ji (150‐219 d.C.), considerado o Hipócrates chinês, já escrevera 222 ensaios, 397 notas e 113 prescrições. No século VII, Sun Ssu‐moh , ou Sun Simiao (581‐682 d.C.), já estudara mais de 1074 plantas, 443 substâncias animais e 11.091 prescrições de medicamentos, além de ter deixado à disposição da população chinesa, uma lista famosa na época,
conhecida como os “500 remédios de ouro”. Interessantemente, em 2004, pesquisadores da
Universidade de Pequim demonstraram a influência de propriedades físico‐químicas, como a lipofilia, de
19 destes compostos bioativos mais estudados na Medicina Chinesa tradicional.



Índia 




Na Índia da Antiguidade, têm‐se os textos conhecidos desde 3000 a.C. como Ayurvedas (“ciência
da vida”), que descreviam a utilização de diversos óleos viscosos para o tratamento de uma série de
doenças e cujo maior desenvolvimento se deu no século V a.C.. Para a tradição de Ayurvedas há a lenda
do médico dos deuses Dhanwantari (ou Dhanvantari) que é tido como o controlador da medicina e que
pode ser representado carregando um pote com o néctar oleoso da imortalidade, amrita.




Grécia 

 Na Grécia, como desenvolvimento do pensamento , os filósofos deram o ponto de partida para o uso racional das ervas como fármacos, e também contribuíram imensamente para a farmacologia como  conhecemos hoje. Principais filósofos :

      Hipócrates: Descrevia que o tratamento para muitas doenças poderia ser feito através de dieta alimentar adequada e que para mais exata prescrição dever‐se‐ia conhecer os elementos e as propriedades dos constituintes desta dieta. Hipócrates também descrevia que as propriedades dos alimentos tais como “amargo, doce, adstringente e insosso” eram influenciadoras da qualidade do tratamento terapêutico visando à saúde. Há inclusive um trecho de texto clássico atribuído a Hipócrates e Empédocles que é muito sugestivo onde se cita: “a velocidade do movimento dos elementos primordiais aumenta quando reduzidos a partículas diminutas, na corrente sanguínea”.




Claudius Galeno , médico e filósofo grego (129‐216 DC), considerado o primeiro farmacêutico u o Pai da Farmácia (do latim pharmacia, do gregoφαρμακια), foi o primeiro grande observador científico dos fenômenos biológicos Galeno escreveu bastante sobre farmácia e medicamentos, apesar de nas suas obras se encontrarem apenas cerca de quatro centenas e meia de referências a fármacos, menos de metade do que se pode encontrar na obra de Dioscórides. Do ponto de vista farmacêutico, a grande linha de força do galenismo foi a transformação da patologia humoral numa teoria racional e sistemática, em relação à qual se tornava necessário classificar os medicamentos. Assim, tendo em vista utilizar os medicamentos que tivessem propriedades opostas às da causa da doença, Galeno classificou-os em três grandes grupos, segundo um critério fisiopatológico humoral: o primeiro grupo incluía os simplicia, aqueles que possuíam apenas uma das quatro qualidades, seco, húmido, quente ou frio, o segundo grupo era o dos composita, quando possuíam mais do que uma e por fim o terceiro grupo incluía os que actuavam segundo um efeito específico inerente à própria substância como os purgantes os vomitivos e outros. Foi na forma de galenismo que a Medicina greco-romana passou para o Ocidente cristão, dominando a Medicina e a Farmácia até ao Século XVII e mantendo ainda uma grande influência mesmo no século XVIII.



  Renascimento

Com o fim da idade média, o Renascimento marcava o reinicio o pensamento racional, surgem novas idéias e concepções.
             Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (1493  ‐ 
1541), famoso médico e alquimista, físico e astrólogo suíço , cujo pseudônimo, Paracelsus (ou Paracelso) significa "superior a Celso” (ou Aurélio Cornélio Celso, médico romano (25 a.C. a 50 d.C.)notório pela sua extensa e conhecida obra "De Medicina” onde já descrevia textos pioneiros em diversas áreas da Medicina). Paracelsus afirmava que cada doença específica deveria ser tratada por um tipo de medicamento e que a dose certa define se uma substância química é um medicamento ou um veneno.


                               


        Jan Baptist van Helmont (1579‐1644)  que defendia a existência de agentes químicos específicos das doenças (archaei). Desta forma surge o propósito conceitual de que a cura das doenças poderia ser encontrada na aplicação de substâncias químicas, a iatroquímica.
                A iatroquímica pode ser compreendida como um conjunto de idéias que explicava o funcionamento do corpo humano e as doenças segundo processos químicos. Neste contexto, a principal inovação desta escola foi a introdução de medicamentos específicos no tratamento de doenças, em contraposição à idéia dos galenistas de que apenas forças ocultas, aliadas às
ervas medicinais, surtiriam efeito na cura dos males do corpo. Estes estudiosos aproveitaram igualmente todos os avanços mais recentes no campo da Medicina, como a anatomia baseada na dissecação de cadáveres humanos e a doutrina da circulação do sangue do médico britânico William Harvey (1578‐ 1657) . Contudo, as idéias da iatroquímica eram ainda de um cunho sobrenatural influenciadas pelos galenistas; a vitória definitiva da iatroquímica foi dada quando o rei da França declarou ter sido curado de uma enfermidade após ter ingerido vinho com antimônio e proclamou a excelência deste último como medicamento. 




Moderna
   

Todavia, a partir do século XVIII,  a partir da revolução industrial, aumento dos estudos em biologia, toxicologia,a Química adquire também  as características de uma ciência experimental pelo desenvolvimento de metodologia científica de alta precisão,  nascimento da química orgânica tornando‐se uma ciência dita exata e há um afastamento das práticas terapêuticas e médicas, ocorrendo certa estagnação nos estudos e descobertas de fármacos. Somente no final do século XIX, com o cientista alemão Paul Ehrlich (1854‐1915), é que se considera o nascimento da quimioterapia, a qual se definia como “o uso de agentes químicos para combater um organismo invasor sem prejudicar o hospedeiro”. No final do século XIX, diversos pesquisadores  também investigavam a influência da estrutura química sobre a atividade biológica e as primeiras correlações mostraram que o parâmetro físico‐químico conhecido como lipofilia é importante para a atividade farmacológica.


Lipofilia

A lipofilia pode ser primariamente avaliada através da distribuição de um soluto entre duas fases (geralmente solvente orgânico e água).  Deste estudo já se estabelecera que a razão entre as concentrações dos solutos presentes em cada fase permanece constante, independentemente dos volumes relativos usados. Walther Hermann Nernst  ‐  químico alemão (1864 –1941)  ‐ relatou , em 1891,que a distribuição de um soluto entre líquidos imiscíveis só poderia ser considerada partição e com valor constante, se as espécies permanecessem neutras e não associadas umas às outras.
                 Na verdade, a importância da lipofilia para a análise de relações entre estrutura molecular e atividade biológica se deve ao fato de que na maioria dos casos, a estrutura e o funcionamento de uma série de sistemas biológicos estão intimamente relacionados com propriedades lipofílicas de seus componentes moleculares como: a) as interações
primárias lipídicas que influenciam a estrutura dos sistemas biológicos e acarretam a
compartimentalização em organelas celulares; b) os processos de transporte e distribuição nos sistemas biológicos, pois a membrana de dupla camada facilita a entrada de substâncias lipofílicas com baixa massa molecular e previne a difusão livre de moléculas polares com certo grau de seletividade. Além do mais, a lipofilia tem papel fundamental nas interações enzima‐substrato, antígeno‐anticorpo e outras interações como as de hormônios, de neurotransmissores e de modificadores de processos celulares. Assim, pode‐se concluir que a lipofilia é característica físico‐química de grande interesse no  estudo e planejamento de fármacos.

      














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